quarta-feira, 10 de junho de 2015

Chá de Fraldas


pai de menina - eduardo buzzinari
(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina: Bem-vindo ao Mundo Cor de Rosa, de Eduardo Buzzinari)


E chegou a hora de falar do chá de fraldas.
Provavelmente você já sabe o que é isso. Talvez até já tenha participado de alguns, já que, na cabeça das mulheres, eles se tornaram uma tradição quase tão obrigatória quanto fazer os exames de ultrassom ou correr para comprar blusas decotadas que realcem o novo volume dos seios.
De qualquer forma, para quem não conhece, vale uma breve explicação. Chá de fraldas é uma espécie de festa de aniversário sem aniversariante. Tem refrigerante, cerveja, bolo e salgadinho, mas não se canta o parabéns (por favor, não vá ser você a cometer essa gafe de puxar a cantoria na hora de partir o bolo!). Geralmente, acontece no salão de festas do condomínio ou no quintal de casa, sem muita cerimônia, o que é pretexto para trajes informais, copos descartáveis e guardanapos mais baratos.
O ingresso é um pacote de fraldas.
E aqui vai uma nota: é importante verificar no convite se existem especificações técnicas quanto ao tamanho e modelo, pois é isso que vai te franquear acesso irrestrito à mesa de salgadinhos. É esse o objetivo da festa: um pacote de fraldas em troca de salgados frios e guaraná morno. Quem resiste? Negócio da China. E caso você se esqueça de comprar as fraldinhas, não entre em pânico! Invente uma desculpa bem improvável - uma dessas que de tão estapafúrdia só pode ser verdade – tipo, fui abduzido no caminho para a festa e o alienígena, além de extrair meus rins e uma amostra de DNA, ainda levou as fraldas para um experimento genético. Dá pra acreditar? Em seguida, prometa cinicamente que levará o pacote, sem falta, no dia seguinte (até parece...), ignore os olhares feios dos donos da festa e siga disfarçadamente em direção ao prato de rissoles.
Onde paramos?
Ah, o ingresso é um pacote de fraldas. Isso mesmo. Embora não seja proibido (e seja até comum) levar outros tipos de presentes, tudo dependendo do grau de afinidade e desprendimento financeiro do convidado. Assim, sua linda pirralhinha poderá ganhar lembrancinhas, roupinhas, sapatinhos, brinquedinhos, enfeitezinhos e outras peças de enxoval flexionadas no diminutivo. É claro que isso tudo seria muito útil se sua esposa não tivesse comprado absolutamente todas as coisas possíveis e imagináveis da loja de bebê. De fato, não restaram muitas opções originais para os convidados e o que acontecerá na prática é que todas as tentativas de surpreender a futura mamãe resultarão em falsos sorrisos e em pilhas de presentes repetidos acumulados dentro do armário.
Quer um conselho? O melhor é receber fraldas mesmo. E se alguém perguntar que outro tipo de coisa sua garotinha estaria precisando, responda: mais fraldas. Se o convidado continuar insistindo, mantenha-se irredutível: fralda, fralda e fralda! (bata o pé, se julgar necessário) Acredite, parceiro: por mais fraldas que se tenha, elas nunca serão o suficiente. E costumam acabar sem aviso prévio, bem no meio da madrugada.
Mas voltemos ao chá.
Recebidos os convidados, costuma-se empilhar os pacotes de fraldas sobre uma mesa ou numa escultura medonha em formato de torre no canto da parede (cuidado para não despencar em cima daquela tia sensitiva que jurava ser menino o bebê). Aí, pela estimativa da quantidade de fraldas e pelo custo dos salgados, você poderá calcular mentalmente se a festa valeu a pena. Puro exercício de inutilidade, no entanto. Quase sempre, a conta fica elas por elas. E ainda que assim não o fosse, de nada adiantaria: a moça dos salgados não aceita devolução.
Pois bem.
Logo na entrada da festa, você perceberá que a barriga da futura mamãe se tornou uma obra de domínio público (liga não, quando ela estiver amamentando serão os seios). As pessoas reparam, apalpam, acariciam, fazem comentários e prognósticos, como se o ventre materno fosse uma entidade autônoma, e não mais parte integrante de um ser dotado de individualidade e vontade própria. O que acontece de fato é que a sociedade se apropria das grávidas e as transforma numa espécie de assunto de interesse geral. Por isso, não estranhe se os parentes e amigos conversarem com a gestante olhando diretamente para sua barriga ou até mesmo conversarem diretamente com a barriga, dispensando a intermediação da hospedeira.
Passado esse desconforto inicial e o ataque maciço à mesa de salgados, no entanto, é chegada a hora das brincadeiras. E muitos dizem que as brincadeiras são a alma do chá de fraldas. Funciona assim: as mulheres se reúnem em torno da gestante, formando um círculo de cadeiras ao redor dela, como se fossem venerar um oráculo. E os homens fazem o mesmo em torno do freezer de cerveja. Então, as mulheres passam a entregar os presentes à futura mamãe, que deverá adivinhar o conteúdo das embalagens. Os homens começam a tomar cerveja. A grávida (que, até então, é só sorrisos) balança os pacotes próximo ao ouvido, avalia o tamanho e formato dos embrulhos e arrisca seus palpites, enquanto as outras a incentivam com gritos histéricos e assobios desvairados. Os homens continuam a beber cerveja. A cada erro da futura mamãe, uma das convidadas tem o direito de pintar um pedaço da sua barriga com batom. Os homens persistem tomando cerveja. O mulheril segue em delirante euforia e nem percebe a cara de frustração da dona da festa com os presentinhos mais ou menos que se sucedem um após o outro. Os homens passam a falar de futebol, sem parar de tomar cerveja. Os espaços livres na barriga da grávida terminam e as mulheres passam a colorir os braços e o rosto da anfitriã, que, nesse momento, está olhando para o teto e imaginando onde vai guardar aquele monte de porcarias repetidas que ganhou. Os homens param de comentar futebol, mas não de beber cerveja. Todos os presentes já foram abertos, a dona da casa acertou dois palpites, errou dezenove e está parecendo uma caloura de faculdade com a boca pintada igual palhaço. Você olha para o lado, vê um orangotango roxo com bolinhas amarelas dançando tango em cima da mesa da sala e percebe que está bêbado demais para continuar tomando cerveja.
Os convidados vão embora.
Você e sua esposa se entreolham.
- Gostou da festa, querida?
Ela não responde. Segue direto para a cama e se estatela em meio aos lençóis. Você a acompanha, entra no quarto e troca de roupa. Mas não encontra espaço para se deitar, porque, a essa altura da gestação, a futura mamãe já estará dormindo abraçada a cinquenta travesseiros e não sobra nem um pedacinho livre da cama.
Aí, você volta para a sala e repara que aquele orangotango colorido ainda está por ali. Então, abre mais uma cerveja e fica o resto da noite de pijama discutindo futebol com seu novo amigo. Aquele estranho primata dançarino.

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2 comentários:

  1. Nossa, mas desse jeito até desisto de fazer um chá de bebê. Não quero terminar mais pintada que a globeleza...

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    1. Desiste não, Ma! A gente sofre, mas no fundo é divertido! rsrsrs

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