sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
Brinquedos de Antigamente
(Conheça o livro Pai de Menina: Bem-vindo ao Mundo Cor de Rosa, de Eduardo Buzzinari)
- Saiba que na minha
época...
Qualquer um que comece
uma frase com essa expressão é um saudosista. Sempre que você ouvir esse
conjunto de palavras no início da fala de seu interlocutor, pode se preparar para
uma crítica feroz a algum aspecto da atualidade em confronto com a memória do
passado. A um “na minha época...”,
sempre se ouve o “...era muito melhor”
na sequência. Por exemplo: na minha
época, a música era muito melhor que hoje em dia. Quem nunca escutou alguém
mais velho dizer isso – geralmente desapontado com as batidas do funk?
Pois é.
O fato é que a lembrança
carinhosa do passado afeta severamente nossa capacidade de julgamento. Muitas
das vezes, a coisa de antigamente nem era tão boa assim. Ou a coisa de agora
nem é tão pavorosa e desprezível que não mereça nossa atenção – isso não se
aplica às batidas do funk carioca,
esclareça-se logo. Mas pode servir de paradigma para quase todos os conflitos
de gerações. Basta uma diferença significativa de idade entre os contendores
para que seja impossível uma avaliação imparcial da questão.
Curioso como, à falta de
argumento melhor, as pessoas recorrem ao passado para desmerecer o presente. E
como o emprego desse recurso se torna cada vez mais frequente depois que se
passa dos trinta. Eu mesmo confesso que me peguei falando mal da música do
vizinho semana passada – adivinhe o que era? E nem adianta dizer que dessa água eu não bebo. Pois é assim que
caminha a humanidade. E tudo o que hoje é sucesso vai virar um “na minha época...” no futuro. Até o funk!
Mas o que me levou a
divagar sobre esse assunto que mais parece uma viagem sem sentido ao lado
escuro da Lua?
Explico.
É que o Natal está se
aproximando e estive perambulando por entre as prateleiras das lojas de
brinquedos nos últimos dias. Tentando comprar algo para presentear minha filha
de um ano e meio. Muita coisa mudou desde a época em que eu circulava por
aqueles corredores de mãos dadas com minha mãe, escolhendo o que eu iria pedir
ao papai noel. E nem poderia ser diferente. Lá se vão mais de vinte anos. Mas
não é que, entre as novidades da indústria infantil, encontrei um monte de
brinquedos da minha infância que continuam à venda até hoje – só que com um
visual renovado! Foi assim que me deparei com o velho pula-pirata de roupa nova e com o cabeça de batata com uns acessórios mais modernos. E que sensação
gostosa a de rever esses dois saudosos amigos... Deu a impressão de que nem
havia se passado assim tanto tempo desde a última vez que nos vimos.
Talvez encorajado pela
nostalgia que me tomava de assalto, perguntei a uma das vendedoras se ainda
fabricavam o legendário pega-varetas.
Para quem não conhece, era um jogo no qual se espalhava uma porção de varetas
pelo chão e os participantes tinham que retirá-las, uma a uma, sem mexer nas
demais. Eu e minhas irmãs passávamos horas a fio testando nossa coordenação
motora nessa brincadeira.
- O pega-varetas? – indagou a vendedora que, por sorte, sabia do que se
tratava. Era mais uma “da minha época”.
- Isso mesmo – respondi
com convicção.
- Infelizmente saiu de
linha. Foi retirado do mercado por questões de segurança.
Agradeci decepcionado.
Mas logo depois, ponderei com meus botões: era
mesmo um brinquedo perigoso, com todas aquelas varetas pontiagudas... A
seguir, comecei a reparar que, em todas as caixas de brinquedos, havia um selo
do Inmetro certificando a segurança do produto e a faixa etária sugerida de
consumo. Como estamos evoluídos,
pensei. E passei a imaginar se “na minha época” já existia toda essa
preocupação com a segurança das crianças.
Creio que não.
Basta uma rápida
reflexão sobre a infância de antigamente para constatar que fomos submetidos a
toda uma série de perigos e provações que nos tornam verdadeiros sobreviventes
dos anos 80 e 90. Para começar, lembro-me de ter ganhado, certa vez, um
laboratório de alquimia, que continha diversas substâncias químicas em potinhos
plásticos e uma pequena estante com tubos de ensaio de vidro, que
invariavelmente se partiam durante minhas experiências. Sulfato de enxofre,
permanganato de potássio, ácido cítrico e fenolftaleína estavam entre os
componentes do estojo. Sinceramente, não acredito que esse divertido conjunto
de insanidades tivesse o certificado do Inmetro... O fato é que, enquanto eu brincava
de alquimista, minha irmã mais velha fazia pipocas numa pipoqueira elétrica
especialmente desenvolvida para as crianças tomarem choque e queimarem os
dedos, antes de se deliciarem com o cheiro do milho torrado.
E tem mais. Quem não se
lembra das mini garrafinhas de coca-cola que continham um líquido preto, cujo
conteúdo não foi identificado pela ciência até hoje? E o que dizer das bolas de
árvore de natal que se estilhaçavam em mil pedaços ou das famosas balas soft, confeccionadas no tamanho e formato
exatos para asfixiar uma criança?
Isso sem contar os
produtos politicamente incorretos. O que nossos filhos diriam se soubessem que,
na nossa época, qualquer um podia entrar numa loja de brinquedos e comprar uma
réplica de arma de fogo para municiá-la de espoletas? Ou que nossos pais nos
compravam inocentes cigarrinhos de chocolate ao leite para a gente fingir que
fumava antes de comê-los?
Os anos 80 e 90
realmente foram um período de sandices ilimitadas. E mesmo quando o brinquedo
era absolutamente inofensivo, a turma inventava uma lenda urbana para poder
assustar a criançada. Foi o que fizeram com a boneca da Xuxa que, segundo relatos, movia a cabeça para os lados e entoava
um ritual satânico, se o disco da apresentadora fosse tocado de trás para
frente. Colocando as coisas nesses termos, podemos ou não nos considerar
sobreviventes de um mundo caótico e insensato?
O curioso é que, passada
toda a intempérie, ainda sentimos saudades da nossa infância. E, malgrado a
parcialidade de julgamento a que estamos sujeitos, podemos dizer, sem medo de
errar, que não se fazem mais brinquedos como antigamente.
Graças a Deus!
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