segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Primeiro Dia na Escolinha


(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)


A Belinha vivia dizendo que não tinha tempo para nada. Também pudera. Desde que a Michele nasceu, as duas não haviam passado nem cinco minutos longe uma da outra. Era um grude só! Fosse na cama, na cozinha ou no banheiro, as duas estavam sempre juntas. Onde a Michele ia, lá estava a Belinha atrás. E a zelosa mamãe fazia questão de cuidar da filha sozinha, quando muito, com a ajuda do marido. Era ela quem fazia a comida, dava o banho, trocava a fralda, preparava a mamadeira e colocava a menina para dormir. Se fosse um jogador de futebol, seria daqueles que cobra o escanteio e corre na grande área para cabecear a bola. Ao fim do dia, como era de se prever, ela dizia “estou morta, hoje não tive tempo de fazer nada para mim” – verdadeiramente exausta, mas com uma pontinha de orgulho.
Até que chegou o dia da Michele ir para a escolinha.
Belinha acordou mais cedo que o habitual, preparou o almoço com uma hora de antecedência, pôs o material na mochilinha, arrumou a merendeira e penteou um lindo rabo de cavalo no cabelo da menina. Ao meio dia, o portão do colégio separou mãe e filha pela primeira vez na vida.
Horas depois, o marido encontra a esposa sentada na mesa da cozinha, de frente para o relógio de parede.
- Que cara é essa, Belinha?
- Nada, tô só vendo o tempo passar.
- Hum... E a Michele? Ficou bem na escolinha?
- Melhor até que eu imaginava.
- Que bom! Primeiro dia de aula é um barato, né?
- Pra ser sincera, nunca vi muita graça nisso.
- Ah, qual é? Me lembro, como se fosse hoje, daquele cheirinho de massa de modelar misturado com giz de cera. E a turma toda só esperando o portão abrir para correr até as salas...
- Pois eu sempre detestei esse cheiro.
- Não é possível! E o cheirinho de papel de mimeógrafo?
- Nem me lembro.
- Como não?
- Vai ver não era da minha época.
- Ih, já vi que tá mal-humorada...
- Impressão sua.
- Ah, saquei! É por causa da Michele... Tá com saudades da nossa filhota, né?
- Tô só aqui pensando se ela ainda não é muito nova para ir à escola. Acho que nos precipitamos...
- Mas é claro que não. Tá na hora dela começar a conviver com outras pessoas.
- Pra quê outras pessoas se ela já tem a mim?
- Ora, Belinha... Ela precisa interagir com outras crianças. Gente da idade dela.
- Ai, nem me fala nisso. Imagine só a quantidade de germes e bactérias que não deve ter nessas outras crianças... Já tou até vendo... Num dia ela vai me aparecer com piolho, noutro com catapora... Logo ela que nem resfriado nunca teve...
- Não se preocupe, ela vai sobreviver.
- E se ela tiver vontade de ir ao banheiro?
- Que que tem?
- A turma deve ter uns trinta alunos... Será que a professora vai conseguir dar atenção a todos?
- Fica tranquila, ela dá um jeito.
- Em todo caso, acho que não custa eu ir até lá e ver se ela tá precisando de uma ajuda. Quem sabe...
- Que exagero, Belinha!
- Você acha?
- Claro! Não vá fazer a garota pagar esse mico... Olhe, pense no lado positivo: agora você finalmente vai poder tirar um tempinho para si mesma, pode fazer aquele curso de fotografia que sempre quis...
- Não quero mais.
- E que tal voltar ao pilates? Você vivia reclamando que não tinha tempo para malhar...
- Perdi a vontade.
- Pode ler um livro, assistir a um filme, criar uma ONG em defesa do jacaré-açu da Amazônia...
- Tá me chamando de desocupada?
- Não é isso, Belinha... Só tou querendo ajudar.
- Pois muito ajuda quem não atrapalha.
- Ah, é assim? Então fica aí curtindo sua depressão e devorando um chocolate após o outro até dar a hora da saída. Eu desisto.
- Falando em hora da saída, acho que já vou indo pro portão do colégio. Afinal, falta só uma hora e meia para terminar a aula...
- Você é quem sabe. Mas é bom ir se acostumando à nova rotina, porque amanhã tem mais.
- Amanhã? P-precisa voltar amanhã?

Nota do autor: na concepção original deste texto, era a filha quem fazia essa pergunta à mãe após um exaustivo primeiro dia de aula. Mas circunstâncias externas, surpreendentemente mais próximas da realidade, fizeram-me mudar o foco da narrativa...

Curtiu? Conheça o livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas clicando aqui!