quinta-feira, 8 de abril de 2021

Minha Filha disse um Palavrão!

 

(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)



Nunca tive problemas com palavrões.

Problemas de ordem moral, quero dizer.

Jamais tive o menor pudor de dizer porra, merda ou caralho e, para ser sincero, até acho que o palavrão tem sua hora e vez numa conversa informal. Aliás, um palavrão bem empregado pode ser mais eficiente que uma descrição de mil palavras, sob o ponto de vista da comunicabilidade. Ou você duvida que um sonoro puta que pariu possa substituir prontamente uma infinidade de explicações longas e tediosas quando tudo à nossa volta dá errado?

Pois é.

Era exatamente isso o que eu pensava até ouvir minha filhinha de dois anos dizer seu primeiro palavrãozinho.

Já passava da hora de dormir e a pivetinha se recusava a subir para o quarto. Pulava no sofá, brincava com as bonecas e corria pela sala a toda energia de suas pilhas alcalinas. Nada a fazia parar. Com muito custo, a mamãe já exausta conseguiu convencê-la a aceitar a mamadeira e seguir o caminho da cama. A baixinha, então, deu uma trégua na correria e passou a caminhar com os passinhos arrastados e sonolentos rumo à escada. Foi quando, ao subir no primeiro degrau, ela se deu conta de que havia esquecido sua boneca favorita largada pelo chão. Aí, a mocinha entregou a mamadeira de volta à mamãe e saiu pisando fundo na direção do brinquedo, não sem antes deixar escapar um inesperado e estrondoso:

- Putapaliu!

O papai fez o que pôde para conter a gargalhada.

A mamãe o fuzilou com o rabo do olho.

 

Quarenta minutos depois.

A filha finalmente dormiu e a esposa agora desce as escadas, furiosa. O homem já preparado para a inevitável discussão.

- Tá satisfeito agora? – dispara ela contra o marido.

- Como?

- Não se faça de desentendido!

- Foi o palavrão, né? Não foi incrível? Ela nem sabe o que significa, mas já conseguiu inseri-lo num contexto inteiramente adequado às circunstâncias. Como é espertinha essa garota...

- E você ainda debocha?

- Ora, vamos... Diz que não foi engraçado?

- Nem um pouco.

- Pelo jeito, a maternidade tirou seu senso de humor.

- E a paternidade deve ter tirado seu senso de responsabilidade. Quantas vezes já lhe falei para não dizer palavrão na frente da menina?

- Ah, corta essa! Você sabe que eu até tento me controlar, mas quando vejo já escapou o bendito...

- Sei...

- E também tem o seguinte: cedo ou tarde ela ia acabar aprendendo essas coisas mesmo.

- Só que não precisava ser tão cedo. Nem dentro de casa.

- Ai, ai...

- E eu pensando que ela só fosse aprender isso quando estivesse na escolinha. Mas, pelo jeito, é ela quem vai ensinar às outras crianças.

- Querida, isso não é o fim do mundo...

- Não, é só uma puta falta de educação.

- Opa! Acho que ouvi um palavrão!

- Ouviu nada! Eu disse puta com significado de muita.

- E puta não é palavrão?

- Seria em outro contexto.

- Ah, certo.

- Que foi? Ninguém é infalível não!

- Então você admite que também fala palavrão?

- Nem fodendo, falo porra nenhuma.

 

Estudos científicos revelam que os palavrões surgem no sistema límbico, que é mais ou menos o porão do cérebro, uma zona mais primitiva de nossa mente que, na maior parte das vezes, é inibida pelo pensamento consciente e costuma aflorar somente quando tropeçamos numa pedra ou quando o atacante do nosso time perde um pênalti na final do campeonato.

Palavrões são assim mesmo.

Imprevisíveis e incontroláveis.

Pior que dor de barriga quando vem com tudo.

E há de se convir que eles fazem parte da língua escrita e falada como fiel expressão de nossos sentimentos mais íntimos. Palavrões traduzem a apoteose da liberdade gramatical. O desatino da sintaxe. A lacuna do dicionário. A revolução do submundo das letras. É a redenção da semântica no resgate da contracultura. E talvez outras coisas mais.

Entretanto, reconheço que existem pessoas cuja sensibilidade poética pode se fazer incomodada em meio às cobras e lagartos da literatura vulgar. Nem todo mundo se sente à vontade nos subterrâneos do idioma formal. E o fato é que estou sinceramente tentando me corrigir. Por isso, desde já, antecipo minhas desculpas a quem achou este texto repugnante e ofensivo.

Espero que não me leve a mal.

Ou então, foda-se!


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