terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Brinquedos de Antigamente


pai de menina - eduardo buzzinari
(Conheça o livro Pai de Menina: Bem-vindo ao Mundo Cor de Rosa, de Eduardo Buzzinari)


- Saiba que na minha época...
Qualquer um que comece uma frase com essa expressão é um saudosista. Sempre que você ouvir esse conjunto de palavras no início da fala de seu interlocutor, pode se preparar para uma crítica feroz a algum aspecto da atualidade em confronto com a memória do passado. A um “na minha época...”, sempre se ouve o “...era muito melhor” na sequência. Por exemplo: na minha época, a música era muito melhor que hoje em dia. Quem nunca escutou alguém mais velho dizer isso – geralmente desapontado com as batidas do funk?
Pois é.
O fato é que a lembrança carinhosa do passado afeta severamente nossa capacidade de julgamento. Muitas das vezes, a coisa de antigamente nem era tão boa assim. Ou a coisa de agora nem é tão pavorosa e desprezível que não mereça nossa atenção – isso não se aplica às batidas do funk carioca, esclareça-se logo. Mas pode servir de paradigma para quase todos os conflitos de gerações. Basta uma diferença significativa de idade entre os contendores para que seja impossível uma avaliação imparcial da questão.
Curioso como, à falta de argumento melhor, as pessoas recorrem ao passado para desmerecer o presente. E como o emprego desse recurso se torna cada vez mais frequente depois que se passa dos trinta. Eu mesmo confesso que me peguei falando mal da música do vizinho semana passada – adivinhe o que era? E nem adianta dizer que dessa água eu não bebo. Pois é assim que caminha a humanidade. E tudo o que hoje é sucesso vai virar um “na minha época...” no futuro. Até o funk!
Mas o que me levou a divagar sobre esse assunto que mais parece uma viagem sem sentido ao lado escuro da Lua?
Explico.
É que o Natal está se aproximando e estive perambulando por entre as prateleiras das lojas de brinquedos nos últimos dias. Tentando comprar algo para presentear minha filha de um ano e meio. Muita coisa mudou desde a época em que eu circulava por aqueles corredores de mãos dadas com minha mãe, escolhendo o que eu iria pedir ao papai noel. E nem poderia ser diferente. Lá se vão mais de vinte anos. Mas não é que, entre as novidades da indústria infantil, encontrei um monte de brinquedos da minha infância que continuam à venda até hoje – só que com um visual renovado! Foi assim que me deparei com o velho pula-pirata de roupa nova e com o cabeça de batata com uns acessórios mais modernos. E que sensação gostosa a de rever esses dois saudosos amigos... Deu a impressão de que nem havia se passado assim tanto tempo desde a última vez que nos vimos.
Talvez encorajado pela nostalgia que me tomava de assalto, perguntei a uma das vendedoras se ainda fabricavam o legendário pega-varetas. Para quem não conhece, era um jogo no qual se espalhava uma porção de varetas pelo chão e os participantes tinham que retirá-las, uma a uma, sem mexer nas demais. Eu e minhas irmãs passávamos horas a fio testando nossa coordenação motora nessa brincadeira.
- O pega-varetas? – indagou a vendedora que, por sorte, sabia do que se tratava. Era mais uma “da minha época”.
- Isso mesmo – respondi com convicção.
- Infelizmente saiu de linha. Foi retirado do mercado por questões de segurança.

Agradeci decepcionado. Mas logo depois, ponderei com meus botões: era mesmo um brinquedo perigoso, com todas aquelas varetas pontiagudas... A seguir, comecei a reparar que, em todas as caixas de brinquedos, havia um selo do Inmetro certificando a segurança do produto e a faixa etária sugerida de consumo. Como estamos evoluídos, pensei. E passei a imaginar se “na minha época” já existia toda essa preocupação com a segurança das crianças.
Creio que não.
Basta uma rápida reflexão sobre a infância de antigamente para constatar que fomos submetidos a toda uma série de perigos e provações que nos tornam verdadeiros sobreviventes dos anos 80 e 90. Para começar, lembro-me de ter ganhado, certa vez, um laboratório de alquimia, que continha diversas substâncias químicas em potinhos plásticos e uma pequena estante com tubos de ensaio de vidro, que invariavelmente se partiam durante minhas experiências. Sulfato de enxofre, permanganato de potássio, ácido cítrico e fenolftaleína estavam entre os componentes do estojo. Sinceramente, não acredito que esse divertido conjunto de insanidades tivesse o certificado do Inmetro... O fato é que, enquanto eu brincava de alquimista, minha irmã mais velha fazia pipocas numa pipoqueira elétrica especialmente desenvolvida para as crianças tomarem choque e queimarem os dedos, antes de se deliciarem com o cheiro do milho torrado.
E tem mais. Quem não se lembra das mini garrafinhas de coca-cola que continham um líquido preto, cujo conteúdo não foi identificado pela ciência até hoje? E o que dizer das bolas de árvore de natal que se estilhaçavam em mil pedaços ou das famosas balas soft, confeccionadas no tamanho e formato exatos para asfixiar uma criança?
Isso sem contar os produtos politicamente incorretos. O que nossos filhos diriam se soubessem que, na nossa época, qualquer um podia entrar numa loja de brinquedos e comprar uma réplica de arma de fogo para municiá-la de espoletas? Ou que nossos pais nos compravam inocentes cigarrinhos de chocolate ao leite para a gente fingir que fumava antes de comê-los?
Os anos 80 e 90 realmente foram um período de sandices ilimitadas. E mesmo quando o brinquedo era absolutamente inofensivo, a turma inventava uma lenda urbana para poder assustar a criançada. Foi o que fizeram com a boneca da Xuxa que, segundo relatos, movia a cabeça para os lados e entoava um ritual satânico, se o disco da apresentadora fosse tocado de trás para frente. Colocando as coisas nesses termos, podemos ou não nos considerar sobreviventes de um mundo caótico e insensato?
O curioso é que, passada toda a intempérie, ainda sentimos saudades da nossa infância. E, malgrado a parcialidade de julgamento a que estamos sujeitos, podemos dizer, sem medo de errar, que não se fazem mais brinquedos como antigamente.
Graças a Deus!

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