quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A Fase dos Porquês


(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)


“Por que eu nasci?”
“Por que tenho que comer tudo?”
“Por que o canudo da lanchonete é amarelo?”

É isso aí, parceiro! Bem-vindo à fase dos porquês!
Ah, os porquês...
Se esse assunto já era complicado nas aulas de português, será ainda duas vezes pior na boca da sua pivetinha. Pode apostar! E pode ir se preparando para todo tipo de pergunta improvável, imprevisível, inacreditável e irrespondível. A imaginação da sua filha não conhece fronteiras. E suas dúvidas não respeitam as limitações do cérebro humano, do conhecimento científico ou da barra de pesquisa do google.
Nada escapa à sua curiosidade voraz. Nada.
E cabe aos pobres do papai e da mamãe a espinhosa tarefa de desvendar os mistérios mais inusitados do imaginário infantil. De banalidades do cotidiano a dilemas de alta complexidade filosófica. Tudo junto e misturado.
“Qual o tamanho do universo?”
“Por que não posso entrar na piscina agora?”
“O que acontece depois que a gente morre?”
“Quem era o goleiro da seleção na copa de 74?”
“Como o coelho da páscoa bota ovo se ele é mamífero?”
E o pai explode antes de bater a cabeça na parede.
- Calma, pelamordedeus! Uma pergunta de cada vez! O homem caminha pela face da Terra há cinquenta mil anos sem saber de onde veio e para onde vai e você quer todas as respostas em cinco minutos! Pai também tem direito à dúvida!

Mas não adianta reclamar... Pai e mãe precisam saber um pouquinho de cada assunto – pelo menos o bastante para ensaiar um improviso minimamente plausível – já que os baixinhos nunca aceitam o silêncio como resposta. E haja pergunta! Por quê? Por quê? Por quê? Parece que os porquês vão se sucedendo numa escalada vertiginosa rumo ao infinito. Sem pausa para tomar fôlego. E, muitas das vezes, desembocam num interminável círculo vicioso de insistência.
- Por que tenho que comer?
- Para crescer e ficar forte.
- Por que tenho que crescer?
- Para trabalhar.
- Por que tenho que trabalhar?
- Para ganhar dinheiro.
- Por que tenho que ganhar dinheiro?
- Para comprar comida.
- E por que tenho que comer?

Em outras ocasiões, os questionamentos dos pequeninos esbarram numa partícula indivisível e inexplicável do conhecimento humano. Como num quebra-cabeça em que sempre falta uma peça.
- Como eu nasci?
- O papai plantou uma sementinha na barriga da mamãe e tal e coisa e coisa e tal... (você já conhece essa história)
- Mas como nasceu o primeiro homem?
- Bom, o Papai do Céu o criou a partir do barro...
- E como nasceu o Papai do Céu?
- Hã...

Estudos recentes indicam que uma criança na faixa dos três anos pode chegar a fazer trezentas perguntas por dia. Tre-zen-tas. É muito ponto de interrogação para a cabeça de qualquer papai ou mamãe. Eu aposto que nem no vestibular você teve que encarar tanta dúvida pela frente – e sem as opções de múltipla escolha dessa vez!
Pensando nisso – e para encerrar o capítulo – preparei uma lista das perguntas mais frequentes do imaginário infantil e sugestões de respostas para que você não fique gaguejando na frente da sua filha quando ela vier com aquela avalanche de interrogações. Lembre-se de que a regra de ouro é falar a verdade! Mas não fique grilado se tiver que contar uma mentirinha inocente para evitar uma resposta embaraçosa ou complicada demais para a cuca da baixinha.
Então lá vai o questionário:
- Pai, por que o céu é azul?
- Porque se fosse branco ninguém iria enxergar as nuvens.
- Existem extraterrestres no espaço?
- Claro que sim. Seu Tio Marcelo, por exemplo. Tenho certeza de que ele veio de outro planeta.
- Por que os dinossauros desapareceram da Terra?
- Foi de tanto fazerem malcriação. Se eles escovassem os dentes direitinho todos os dias, estariam por aí até hoje.
- O que são namorados?
- São uns monstros horríveis que ficam querendo te levar para longe do papai. Deixa que eu te protejo deles.
- De onde vêm os bebês?
- Pergunta essa para sua mãe que ela entende desse assunto melhor que eu.
- É verdade que o Papai Noel mora no Polo Norte?
- É sim. Até porque, se ele morasse no Rio, ia morrer de calor com tanta roupa.
- Por que tenho que ir à escola?
- Porque a escola não tem como vir até você. Ela não anda.
- Quanto é um trilhão vezes infinito?
- Um montão de números. Vou fazer a conta e te respondo amanhã sem falta.
- Por que cachorro não fala?
- Mas eles falam sim. Só que na língua deles.
- Quem inventou a batata frita?
- Algum desocupado com tempo de mais e filhos de menos.
- Por que existe gente malvada no mundo?
- Boa pergunta. Taí uma coisa que eu também queria saber.
E, por último, minha resposta favorita para escapar de qualquer tipo de enrascada:
- Por que tenho que dormir tão cedo?
- Porque eu sou seu pai e sou eu quem mando.
E ponto final.

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segunda-feira, 24 de junho de 2019

Uni, duni, tê-três filhos



pai de menina - eduardo buzzinari
(Conheça o livro Pai de Menina: Bem-vindo ao Mundo Cor de Rosa, de Eduardo Buzzinari)



O primeiro filho come terra.
Os pais ligam para o pediatra.
O segundo filho come terra.
Os pais limpam sua boca com um paninho.
O terceiro filho come terra.
Os pais se perguntam se precisam fazer o almoço.

A chupeta do primeiro filho cai no chão.
Os pais a esterilizam com álcool e água fervida.
A chupeta do segundo filho cai no chão.
Os pais a assopram e depois a limpam na própria roupa.
A chupeta do terceiro filho cai no chão.
Os pais ensinam o cachorro da família a buscá-la e a colocam de volta na boca da criança.

O primeiro filho faz caquinha.
Os pais trocam a fralda de imediato.
O segundo filho faz caquinha.
Os pais esperam até a hora do banho para trocar a fralda.
O terceiro filho faz caquinha.
Os pais só trocam a fralda quando as outras crianças começam a reclamar do mau cheiro.

As recordações do primeiro filho.
Os pais tiram fotos de todos os momentos, guardam fios de cabelo, dentes de leite e até o cordão umbilical.
As recordações do segundo filho.
Os pais mal se lembram das fotos do primeiro aniversário.
As recordações do terceiro filho.
Os pais desconhecem por completo sob que circunstâncias ele chegou ao mundo.

O primeiro filho chora.
Os pais correm na mesma hora para ver o que aconteceu.
O segundo filho chora.
Os pais aparecem quando os gritos começam a incomodar os vizinhos.
O terceiro filho chora.
Os pais ensinam o filho mais velho a dar corda no móbile do berço e rezam para que funcione.

O primeiro filho engole uma moeda.
Os pais correm para o pronto-socorro e pedem um raio-x.
O segundo filho engole uma moeda.
Os pais ficam observando até que ela saia.
O terceiro filho engole uma moeda.
Os pais anotam o prejuízo para descontar das futuras mesadas.

O primeiro filho dorme.
Os pais ficam em silêncio absoluto.
O segundo filho dorme.
Os pais ficam tentando fazer o mais velho calar a boca.
O terceiro filho dorme.
Dorme? Quem é que consegue dormir com três crianças em casa?

O armário do primeiro filho.
Os pais compram roupinhas de todos os modelos e tamanhos, lavam, dobram e arrumam tudo por gradação de cor.
O armário do segundo filho.
Os pais conferem se as roupas do mais velho estão limpas e jogam fora aquelas com manchas escuras.
O armário do terceiro filho.
Quem disse que menino não pode usar rosa?

O primeiro filho vai viajar pela primeira vez.
Os pais preparam uma maleta de comida orgânica.
O segundo filho vai viajar pela primeira vez.
Os pais compram alguns potes de papinha pronta.
O terceiro filho vai viajar pela primeira vez.
Cadê a criança? – perguntam-se os pais depois de bater a porta do carro.

No banho do primeiro filho.
A água é filtrada e a temperatura controlada por um termômetro.
No banho do segundo filho.
A água é da torneira, mais ou menos quentinha.
No banho do terceiro filho.
O mais novo é enfiado debaixo do chuveiro junto com os outros dois e salve-se quem puder.

O primeiro filho fica sozinho com a avó.
Os pais ligam de cinco em cinco minutos.
O segundo filho fica sozinho com a avó.
Os pais ligam apenas uma vez na hora do remédio.
O terceiro filho fica sozinho com a avó.
Os pais recomendam expressamente que ela só entre em contato se houver sangue.

O primeiro filho vai nascer.
Os pais comemoram e ligam para os parentes e amigos.
O segundo filho vai nascer.
Os pais se entreolham com um sorriso amarelo.
O terceiro filho vai nascer.
Taqueopariu.

Em casa com o primeiro filho.
Os pais passam o tempo todo atrás dele.
Em casa com o primeiro e o segundo filho.
Os pais conferem, de vez em quando, se o primeiro não está esganando o segundo.
Em casa com o primeiro, o segundo e o terceiro filho.
Os pais se escondem no banheiro o máximo que puderem.
Socorro!

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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Primeiro Dia na Escolinha


(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)


A Belinha vivia dizendo que não tinha tempo para nada. Também pudera. Desde que a Michele nasceu, as duas não haviam passado nem cinco minutos longe uma da outra. Era um grude só! Fosse na cama, na cozinha ou no banheiro, as duas estavam sempre juntas. Onde a Michele ia, lá estava a Belinha atrás. E a zelosa mamãe fazia questão de cuidar da filha sozinha, quando muito, com a ajuda do marido. Era ela quem fazia a comida, dava o banho, trocava a fralda, preparava a mamadeira e colocava a menina para dormir. Se fosse um jogador de futebol, seria daqueles que cobra o escanteio e corre na grande área para cabecear a bola. Ao fim do dia, como era de se prever, ela dizia “estou morta, hoje não tive tempo de fazer nada para mim” – verdadeiramente exausta, mas com uma pontinha de orgulho.
Até que chegou o dia da Michele ir para a escolinha.
Belinha acordou mais cedo que o habitual, preparou o almoço com uma hora de antecedência, pôs o material na mochilinha, arrumou a merendeira e penteou um lindo rabo de cavalo no cabelo da menina. Ao meio dia, o portão do colégio separou mãe e filha pela primeira vez na vida.
Horas depois, o marido encontra a esposa sentada na mesa da cozinha, de frente para o relógio de parede.
- Que cara é essa, Belinha?
- Nada, tô só vendo o tempo passar.
- Hum... E a Michele? Ficou bem na escolinha?
- Melhor até que eu imaginava.
- Que bom! Primeiro dia de aula é um barato, né?
- Pra ser sincera, nunca vi muita graça nisso.
- Ah, qual é? Me lembro, como se fosse hoje, daquele cheirinho de massa de modelar misturado com giz de cera. E a turma toda só esperando o portão abrir para correr até as salas...
- Pois eu sempre detestei esse cheiro.
- Não é possível! E o cheirinho de papel de mimeógrafo?
- Nem me lembro.
- Como não?
- Vai ver não era da minha época.
- Ih, já vi que tá mal-humorada...
- Impressão sua.
- Ah, saquei! É por causa da Michele... Tá com saudades da nossa filhota, né?
- Tô só aqui pensando se ela ainda não é muito nova para ir à escola. Acho que nos precipitamos...
- Mas é claro que não. Tá na hora dela começar a conviver com outras pessoas.
- Pra quê outras pessoas se ela já tem a mim?
- Ora, Belinha... Ela precisa interagir com outras crianças. Gente da idade dela.
- Ai, nem me fala nisso. Imagine só a quantidade de germes e bactérias que não deve ter nessas outras crianças... Já tou até vendo... Num dia ela vai me aparecer com piolho, noutro com catapora... Logo ela que nem resfriado nunca teve...
- Não se preocupe, ela vai sobreviver.
- E se ela tiver vontade de ir ao banheiro?
- Que que tem?
- A turma deve ter uns trinta alunos... Será que a professora vai conseguir dar atenção a todos?
- Fica tranquila, ela dá um jeito.
- Em todo caso, acho que não custa eu ir até lá e ver se ela tá precisando de uma ajuda. Quem sabe...
- Que exagero, Belinha!
- Você acha?
- Claro! Não vá fazer a garota pagar esse mico... Olhe, pense no lado positivo: agora você finalmente vai poder tirar um tempinho para si mesma, pode fazer aquele curso de fotografia que sempre quis...
- Não quero mais.
- E que tal voltar ao pilates? Você vivia reclamando que não tinha tempo para malhar...
- Perdi a vontade.
- Pode ler um livro, assistir a um filme, criar uma ONG em defesa do jacaré-açu da Amazônia...
- Tá me chamando de desocupada?
- Não é isso, Belinha... Só tou querendo ajudar.
- Pois muito ajuda quem não atrapalha.
- Ah, é assim? Então fica aí curtindo sua depressão e devorando um chocolate após o outro até dar a hora da saída. Eu desisto.
- Falando em hora da saída, acho que já vou indo pro portão do colégio. Afinal, falta só uma hora e meia para terminar a aula...
- Você é quem sabe. Mas é bom ir se acostumando à nova rotina, porque amanhã tem mais.
- Amanhã? P-precisa voltar amanhã?

Nota do autor: na concepção original deste texto, era a filha quem fazia essa pergunta à mãe após um exaustivo primeiro dia de aula. Mas circunstâncias externas, surpreendentemente mais próximas da realidade, fizeram-me mudar o foco da narrativa...

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