Nunca tive problemas com
palavrões.
Problemas de ordem moral,
quero dizer.
Jamais tive o menor pudor
de dizer porra, merda ou caralho e, para
ser sincero, até acho que o palavrão tem sua hora e vez numa conversa informal.
Aliás, um palavrão bem empregado pode ser mais eficiente que uma descrição de
mil palavras, sob o ponto de vista da comunicabilidade. Ou você duvida que um
sonoro puta que pariu possa
substituir prontamente uma infinidade de explicações longas e tediosas quando
tudo à nossa volta dá errado?
Pois é.
Era exatamente isso o que
eu pensava até ouvir minha filhinha de dois anos dizer seu primeiro
palavrãozinho.
Já passava da hora de dormir
e a pivetinha se recusava a subir para o quarto. Pulava no sofá, brincava com
as bonecas e corria pela sala a toda energia de suas pilhas alcalinas. Nada a
fazia parar. Com muito custo, a mamãe já exausta conseguiu convencê-la a
aceitar a mamadeira e seguir o caminho da cama. A baixinha, então, deu uma
trégua na correria e passou a caminhar com os passinhos arrastados e sonolentos
rumo à escada. Foi quando, ao subir no primeiro degrau, ela se deu conta de que
havia esquecido sua boneca favorita largada pelo chão. Aí, a mocinha entregou a
mamadeira de volta à mamãe e saiu pisando fundo na direção do brinquedo, não
sem antes deixar escapar um inesperado e estrondoso:
-
Putapaliu!
O papai fez o que pôde
para conter a gargalhada.
A mamãe o fuzilou com o
rabo do olho.
Quarenta minutos depois.
A filha finalmente dormiu
e a esposa agora desce as escadas, furiosa. O homem já preparado para a
inevitável discussão.
- Tá satisfeito agora? –
dispara ela contra o marido.
- Como?
- Não se faça de
desentendido!
- Foi o palavrão, né? Não
foi incrível? Ela nem sabe o que significa, mas já conseguiu inseri-lo num
contexto inteiramente adequado às circunstâncias. Como é espertinha essa
garota...
- E você ainda debocha?
- Ora, vamos... Diz que
não foi engraçado?
- Nem um pouco.
- Pelo jeito, a
maternidade tirou seu senso de humor.
- E a paternidade deve ter
tirado seu senso de responsabilidade. Quantas vezes já lhe falei para não dizer
palavrão na frente da menina?
- Ah, corta essa! Você
sabe que eu até tento me controlar, mas quando vejo já escapou o bendito...
- Sei...
- E também tem o seguinte:
cedo ou tarde ela ia acabar aprendendo essas coisas mesmo.
- Só que não precisava ser
tão cedo. Nem dentro de casa.
- Ai, ai...
- E eu pensando que ela só
fosse aprender isso quando estivesse na escolinha. Mas, pelo jeito, é ela quem
vai ensinar às outras crianças.
- Querida, isso não é o
fim do mundo...
- Não, é só uma puta falta de educação.
- Opa! Acho que ouvi um
palavrão!
- Ouviu nada! Eu disse puta com significado de muita.
- E puta não é palavrão?
- Seria em outro contexto.
- Ah, certo.
- Que foi? Ninguém é
infalível não!
- Então você admite que
também fala palavrão?
- Nem fodendo, falo porra
nenhuma.
Estudos científicos
revelam que os palavrões surgem no sistema límbico, que é mais ou menos o porão
do cérebro, uma zona mais primitiva de nossa mente que, na maior parte das
vezes, é inibida pelo pensamento consciente e costuma aflorar somente quando
tropeçamos numa pedra ou quando o atacante do nosso time perde um pênalti na
final do campeonato.
Palavrões são assim mesmo.
Imprevisíveis e
incontroláveis.
Pior que dor de barriga
quando vem com tudo.
E há de se convir que eles
fazem parte da língua escrita e falada como fiel expressão de nossos
sentimentos mais íntimos. Palavrões traduzem a apoteose da liberdade
gramatical. O desatino da sintaxe. A lacuna do dicionário. A revolução do
submundo das letras. É a redenção da semântica no resgate da contracultura. E
talvez outras coisas mais.
Entretanto, reconheço que
existem pessoas cuja sensibilidade poética pode se fazer incomodada em meio às
cobras e lagartos da literatura vulgar. Nem todo mundo se sente à vontade nos
subterrâneos do idioma formal. E o fato é que estou sinceramente tentando me
corrigir. Por isso, desde já, antecipo minhas desculpas a quem achou este texto
repugnante e ofensivo.
Espero que não me leve a mal.
Ou então, foda-se!