quinta-feira, 28 de novembro de 2019
quarta-feira, 11 de setembro de 2019
A Fase dos Porquês
(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)
“Por que eu nasci?”
“Por que tenho que comer
tudo?”
“Por que o canudo da
lanchonete é amarelo?”
É isso aí, parceiro!
Bem-vindo à fase dos porquês!
Ah, os porquês...
Se esse assunto já era
complicado nas aulas de português, será ainda duas vezes pior na boca da sua
pivetinha. Pode apostar! E pode ir se preparando para todo tipo de pergunta
improvável, imprevisível, inacreditável e irrespondível. A imaginação da sua
filha não conhece fronteiras. E suas dúvidas não respeitam as limitações do
cérebro humano, do conhecimento científico ou da barra de pesquisa do google.
Nada escapa à sua
curiosidade voraz. Nada.
E cabe aos pobres do papai
e da mamãe a espinhosa tarefa de desvendar os mistérios mais inusitados do
imaginário infantil. De banalidades do cotidiano a dilemas de alta complexidade
filosófica. Tudo junto e misturado.
“Qual o tamanho do
universo?”
“Por que não posso entrar
na piscina agora?”
“O que acontece depois que
a gente morre?”
“Quem era o goleiro da
seleção na copa de 74?”
“Como o coelho da páscoa
bota ovo se ele é mamífero?”
E o pai explode antes de
bater a cabeça na parede.
- Calma, pelamordedeus! Uma pergunta de cada vez!
O homem caminha pela face da Terra há cinquenta mil anos sem saber de onde veio
e para onde vai e você quer todas as respostas em cinco minutos! Pai também tem
direito à dúvida!
Mas não adianta
reclamar... Pai e mãe precisam saber um pouquinho de cada assunto – pelo menos
o bastante para ensaiar um improviso minimamente plausível – já que os
baixinhos nunca aceitam o silêncio como resposta. E haja pergunta! Por quê? Por
quê? Por quê? Parece que os porquês vão se sucedendo numa escalada vertiginosa
rumo ao infinito. Sem pausa para tomar fôlego. E, muitas das vezes, desembocam
num interminável círculo vicioso de insistência.
- Por que tenho que comer?
- Para crescer e ficar
forte.
- Por que tenho que
crescer?
- Para trabalhar.
- Por que tenho que
trabalhar?
- Para ganhar dinheiro.
- Por que tenho que ganhar
dinheiro?
- Para comprar comida.
- E por que tenho que
comer?
Em outras ocasiões, os
questionamentos dos pequeninos esbarram numa partícula indivisível e
inexplicável do conhecimento humano. Como num quebra-cabeça em que sempre falta
uma peça.
- Como eu nasci?
- O papai plantou uma
sementinha na barriga da mamãe e tal e coisa e coisa e tal... (você já conhece
essa história)
- Mas como nasceu o
primeiro homem?
- Bom, o Papai do Céu o
criou a partir do barro...
- E como nasceu o Papai do
Céu?
- Hã...
Estudos recentes indicam
que uma criança na faixa dos três anos pode chegar a fazer trezentas perguntas
por dia. Tre-zen-tas. É muito ponto de interrogação para a cabeça de qualquer
papai ou mamãe. Eu aposto que nem no vestibular você teve que encarar tanta
dúvida pela frente – e sem as opções de múltipla escolha dessa vez!
Pensando nisso – e para
encerrar o capítulo – preparei uma lista das perguntas mais frequentes do
imaginário infantil e sugestões de respostas para que você não fique gaguejando
na frente da sua filha quando ela vier com aquela avalanche de interrogações.
Lembre-se de que a regra de ouro é falar a verdade! Mas não fique grilado se
tiver que contar uma mentirinha inocente para evitar uma resposta embaraçosa ou
complicada demais para a cuca da baixinha.
Então lá vai o
questionário:
- Pai, por que o céu é
azul?
- Porque se fosse branco
ninguém iria enxergar as nuvens.
- Existem extraterrestres
no espaço?
- Claro que sim. Seu Tio
Marcelo, por exemplo. Tenho certeza de que ele veio de outro planeta.
- Por que os dinossauros
desapareceram da Terra?
- Foi de tanto fazerem
malcriação. Se eles escovassem os dentes direitinho todos os dias, estariam por
aí até hoje.
- O que são namorados?
- São uns monstros
horríveis que ficam querendo te levar para longe do papai. Deixa que eu te
protejo deles.
- De onde vêm os bebês?
- Pergunta essa para sua
mãe que ela entende desse assunto melhor que eu.
- É verdade que o Papai
Noel mora no Polo Norte?
- É sim. Até porque, se
ele morasse no Rio, ia morrer de calor com tanta roupa.
- Por que tenho que ir à
escola?
- Porque a escola não tem
como vir até você. Ela não anda.
- Quanto é um trilhão
vezes infinito?
- Um montão de números.
Vou fazer a conta e te respondo amanhã sem falta.
- Por que cachorro não
fala?
- Mas eles falam sim. Só
que na língua deles.
- Quem inventou a batata
frita?
- Algum desocupado com
tempo de mais e filhos de menos.
- Por que existe gente
malvada no mundo?
- Boa pergunta. Taí uma
coisa que eu também queria saber.
E, por último, minha
resposta favorita para escapar de qualquer tipo de enrascada:
- Por que tenho que dormir
tão cedo?
- Porque eu sou seu pai e
sou eu quem mando.
E ponto final.
Curtiu? Conheça o livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas clicando aqui!
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segunda-feira, 24 de junho de 2019
Uni, duni, tê-três filhos
(Conheça o livro Pai de Menina: Bem-vindo ao Mundo Cor de Rosa, de Eduardo Buzzinari)
O primeiro filho come
terra.
Os pais ligam para o
pediatra.
O segundo filho come
terra.
Os pais limpam sua boca
com um paninho.
O terceiro filho come
terra.
Os pais se perguntam se
precisam fazer o almoço.
A chupeta do primeiro
filho cai no chão.
Os pais a esterilizam
com álcool e água fervida.
A chupeta do segundo
filho cai no chão.
Os pais a assopram e
depois a limpam na própria roupa.
A chupeta do terceiro
filho cai no chão.
Os pais ensinam o
cachorro da família a buscá-la e a colocam de volta na boca da criança.
O primeiro filho faz
caquinha.
Os pais trocam a fralda
de imediato.
O segundo filho faz
caquinha.
Os pais esperam até a
hora do banho para trocar a fralda.
O terceiro filho faz
caquinha.
Os pais só trocam a
fralda quando as outras crianças começam a reclamar do mau cheiro.
As recordações do
primeiro filho.
Os pais tiram fotos de
todos os momentos, guardam fios de cabelo, dentes de leite e até o cordão
umbilical.
As recordações do
segundo filho.
Os pais mal se lembram
das fotos do primeiro aniversário.
As recordações do
terceiro filho.
Os pais desconhecem por
completo sob que circunstâncias ele chegou ao mundo.
O primeiro filho chora.
Os pais correm na mesma
hora para ver o que aconteceu.
O segundo filho chora.
Os pais aparecem quando
os gritos começam a incomodar os vizinhos.
O terceiro filho chora.
Os pais ensinam o filho
mais velho a dar corda no móbile do berço e rezam para que funcione.
O primeiro filho engole
uma moeda.
Os pais correm para o
pronto-socorro e pedem um raio-x.
O segundo filho engole
uma moeda.
Os pais ficam observando
até que ela saia.
O terceiro filho engole
uma moeda.
Os pais anotam o prejuízo
para descontar das futuras mesadas.
O primeiro filho dorme.
Os pais ficam em
silêncio absoluto.
O segundo filho dorme.
Os pais ficam tentando
fazer o mais velho calar a boca.
O terceiro filho dorme.
Dorme? Quem é que
consegue dormir com três crianças em casa?
O armário do primeiro
filho.
Os pais compram
roupinhas de todos os modelos e tamanhos, lavam, dobram e arrumam tudo por
gradação de cor.
O armário do segundo
filho.
Os pais conferem se as
roupas do mais velho estão limpas e jogam fora aquelas com manchas escuras.
O armário do terceiro
filho.
Quem disse que menino
não pode usar rosa?
O primeiro filho vai
viajar pela primeira vez.
Os pais preparam uma maleta
de comida orgânica.
O segundo filho vai
viajar pela primeira vez.
Os pais compram alguns
potes de papinha pronta.
O terceiro filho vai
viajar pela primeira vez.
Cadê a criança? –
perguntam-se os pais depois de bater a porta do carro.
No banho do primeiro
filho.
A água é filtrada e a
temperatura controlada por um termômetro.
No banho do segundo filho.
A água é da torneira,
mais ou menos quentinha.
No banho do terceiro
filho.
O mais novo é enfiado
debaixo do chuveiro junto com os outros dois e salve-se quem puder.
O primeiro filho fica
sozinho com a avó.
Os pais ligam de cinco
em cinco minutos.
O segundo filho fica
sozinho com a avó.
Os pais ligam apenas uma
vez na hora do remédio.
O terceiro filho fica
sozinho com a avó.
Os pais recomendam expressamente
que ela só entre em contato se houver sangue.
O primeiro filho vai
nascer.
Os pais comemoram e
ligam para os parentes e amigos.
O segundo filho vai
nascer.
Os pais se entreolham
com um sorriso amarelo.
O terceiro filho vai
nascer.
Taqueopariu.
Em casa com o primeiro
filho.
Os pais passam o tempo
todo atrás dele.
Em casa com o primeiro e
o segundo filho.
Os pais conferem, de vez
em quando, se o primeiro não está esganando o segundo.
Em casa com o primeiro,
o segundo e o terceiro filho.
Os pais se escondem no
banheiro o máximo que puderem.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019
Primeiro Dia na Escolinha
(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)
A Belinha vivia dizendo
que não tinha tempo para nada. Também pudera. Desde que a Michele nasceu, as
duas não haviam passado nem cinco minutos longe uma da outra. Era um grude só!
Fosse na cama, na cozinha ou no banheiro, as duas estavam sempre juntas. Onde a
Michele ia, lá estava a Belinha atrás. E a zelosa mamãe fazia questão de cuidar
da filha sozinha, quando muito, com a ajuda do marido. Era ela quem fazia a
comida, dava o banho, trocava a fralda, preparava a mamadeira e colocava a
menina para dormir. Se fosse um jogador de futebol, seria daqueles que cobra o
escanteio e corre na grande área para cabecear a bola. Ao fim do dia, como era
de se prever, ela dizia “estou morta,
hoje não tive tempo de fazer nada para mim” – verdadeiramente exausta, mas
com uma pontinha de orgulho.
Até que chegou o dia da
Michele ir para a escolinha.
Belinha acordou mais cedo
que o habitual, preparou o almoço com uma hora de antecedência, pôs o material
na mochilinha, arrumou a merendeira e penteou um lindo rabo de cavalo no cabelo
da menina. Ao meio dia, o portão do colégio separou mãe e filha pela primeira
vez na vida.
Horas depois, o marido
encontra a esposa sentada na mesa da cozinha, de frente para o relógio de
parede.
- Que cara é essa,
Belinha?
- Nada, tô só vendo o
tempo passar.
- Hum... E a Michele?
Ficou bem na escolinha?
- Melhor até que eu
imaginava.
- Que bom! Primeiro dia de
aula é um barato, né?
- Pra ser sincera, nunca
vi muita graça nisso.
- Ah, qual é? Me lembro, como se fosse hoje, daquele
cheirinho de massa de modelar misturado com giz de cera. E a turma toda só
esperando o portão abrir para correr até as salas...
- Pois eu sempre detestei
esse cheiro.
- Não é possível! E o cheirinho
de papel de mimeógrafo?
- Nem me lembro.
- Como não?
- Vai ver não era da minha
época.
- Ih, já vi que tá
mal-humorada...
- Impressão sua.
- Ah, saquei! É por causa
da Michele... Tá com saudades da nossa filhota, né?
- Tô só aqui pensando se
ela ainda não é muito nova para ir à escola. Acho que nos precipitamos...
- Mas é claro que não. Tá
na hora dela começar a conviver com
outras pessoas.
- Pra quê outras pessoas
se ela já tem a mim?
- Ora, Belinha... Ela
precisa interagir com outras crianças. Gente da idade dela.
- Ai, nem me fala nisso.
Imagine só a quantidade de germes e bactérias que não deve ter nessas outras
crianças... Já tou até vendo... Num dia ela vai me aparecer com piolho, noutro
com catapora... Logo ela que nem resfriado nunca teve...
- Não se preocupe, ela vai
sobreviver.
- E se ela tiver vontade
de ir ao banheiro?
- Que que tem?
- A turma deve ter uns
trinta alunos... Será que a professora vai conseguir dar atenção a todos?
- Fica tranquila, ela dá
um jeito.
- Em todo caso, acho que não
custa eu ir até lá e ver se ela tá precisando de uma ajuda. Quem sabe...
- Que exagero, Belinha!
- Você acha?
- Claro! Não vá fazer a
garota pagar esse mico... Olhe, pense no lado positivo: agora você finalmente
vai poder tirar um tempinho para si mesma, pode fazer aquele curso de
fotografia que sempre quis...
- Não quero mais.
- E que tal voltar ao pilates? Você vivia reclamando que não
tinha tempo para malhar...
- Perdi a vontade.
- Pode ler um livro,
assistir a um filme, criar uma ONG em defesa do jacaré-açu da Amazônia...
- Tá me chamando de
desocupada?
- Não é isso, Belinha...
Só tou querendo ajudar.
- Pois muito ajuda quem
não atrapalha.
- Ah, é assim? Então fica
aí curtindo sua depressão e devorando um chocolate após o outro até dar a hora
da saída. Eu desisto.
- Falando em hora da
saída, acho que já vou indo pro portão do colégio. Afinal, falta só uma hora e
meia para terminar a aula...
- Você é quem sabe. Mas é
bom ir se acostumando à nova rotina, porque amanhã tem mais.
- Amanhã? P-precisa voltar
amanhã?
Nota do autor: na
concepção original deste texto, era a filha quem fazia essa pergunta à mãe após
um exaustivo primeiro dia de aula. Mas circunstâncias externas,
surpreendentemente mais próximas da realidade, fizeram-me mudar o foco da
narrativa...
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