terça-feira, 9 de junho de 2015

Bercinho de Boneca


pai de menina - eduardo buzzinari
(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina: Bem-vindo ao Mundo Cor de Rosa, de Eduardo Buzzinari)


Muito bem.
Se você achou que já estava tudo comprado com aquela infinidade de roupinhas e acessórios da loja de bebês, está muito enganado. O limite da sua conta bancária pode até já ter se esvaído num último suspiro de sobrevida, mas as compras da sua princesa ainda estão longe de encontrar a luz no fim do túnel. Muito longe, parceiro. Afinal, onde você achou que sua filha ia dormir? Numa caixa de papelão?
O berço. Falemos nele a partir de agora.
O problema maior do berço não é comprar, é montar. E aqui vai uma página amassada da minha vida para que você, futuro papai, pense duas vezes antes de comprar móveis pela internet.
Era inacreditável a diferença de preço daquele lindo bercinho americano com grades em corrediças deslizantes (malditas grades em corrediças deslizantes...) na loja de móveis infantis e no site da internet. Aí, o papai de primeira viagem nem titubeou. Clicou logo no ícone comprar e saiu correndo para contar à esposa o excelente negócio que fizera.
Pois bem.
Passados alguns dias, eis que chega a encomenda. E, para espanto e assombro geral, ao invés de um berço, foi entregue ao futuro papai três caixas de papelão cheias de peças de madeira, porcas e parafusos.
- É esse o berço? – indagou o incrédulo dono da casa.
- Uhum. Peça por peça – respondeu o irônico entregador.
Aí, começou o meu calvário.
A primeira dificuldade já foi de ordem logística. Levar as três caixas para o quarto da linda pivetinha era como arrastar três mamutes sonolentos que haviam engolido três brontossauros cada um (vale lembrar que a então futura mamãe estava grávida, não podia carregar peso). Tentei arrastar, empurrar, levantar e cheguei até a pedir por favor para ver se elas iam sozinhas pro seu local de destino. Não deu certo. Então, a futura mamãe (que assistia a tudo com indisfarçado sarcasmo) sugeriu, com a maior naturalidade deste mundo, por que você não abre as caixas e leva as peças uma a uma. Ah, era o que eu ia tentar em seguida, evidentemente... (como não pensei nisso antes?) E aí ficou fácil. Em apenas trinta e quatro dolorosas viagens, transportei cada pedacinho do berço pro quartinho da nossa boneca (por mais de uma vez, confesso que tive a nítida sensação de estar transportando todas as partes de um porta-aviões). Enfim, concluída a primeira etapa do trabalho, só me restou anunciar em voz alta: vou montar o bercinho no domingo de manhã (assim dá tempo de passar essa maldita dor nas costas de tanto carregar peso pra lá e pra cá, foi o que ficou dito nas entrelinhas).
E não tardou a chegar o tão esperado domingo de manhã.
Logo cedo, o intrépido construtor espanou a poeira da caixa de ferramentas, colocou uma música divertida na caixa de som e avisou para a esposa: daqui a uma meia hora a gente dá uma caminhada na praia, passa no mercado pra pegar uma carne, depois na banca pra comprar o jornal e volta pra fazer o almoço, ok?. Ela se limitou a balançar a cabeça para os lados, sem dizer que sim ou que não. Parecia que já estava antevendo o resultado do dia.
Primeiro passo - pensou então o futuro papai - localizar o manual de instruções para planejar a ordem dos trabalhos. E aí veio a primeira surpresa do dia: o dito manual consistia numa única folha de papel que só tinha duas figuras, sendo que a segunda já era do berço completamente montado. Mas nada de desanimar! Se o homem foi à Lua e voltou, como não vou ser capaz de montar um simples bercinho de bebê?, foi o que imaginei na sequência. Aí, depois de separar as peças e identificar todos os dezessete tipos de parafusos diferentes (isso quarenta minutos depois), fui forçado pelas circunstâncias a alterar o planejamento da manhã: Amorzinho, a caminhada na praia vai ter que ficar pra outro dia... Mas, terminando aqui, a gente passa no mercado e na banca de jornal.
Quatro horas depois e encerrado o repertório de músicas do telefone celular, nova mudança de planos: abandonar a ideia do jornal, trocar a carne pelo macarrão de anteontem requentado que foi comido ali mesmo no chão do quarto e, sobretudo, desligar o som, porque já não aguentava mais ouvir os Guns n’ Roses gritando na minha cabeça.
Não posso reproduzir aqui a quantidade de vezes que eu xinguei o fabricante do produto, nem todas as trinta e nove formas inusitadas de tortura que imaginei para o cara que desenhou o manual de instruções. Lamento pela lacuna na narrativa. Mas é isso ou corro o risco de ser interditado por grave transtorno de personalidade antissocial.
O fato é que passou a manhã, passou a tarde e, quando chegou a noite, eu ainda me digladiava com as detestáveis grades em corrediças deslizantes (esse tipo de grade devia ser proibida pela saúde pública, todo cuidado com elas!). Ao fim do dia, contudo (e finalmente vencida a batalha), cruzei os braços e posei radiante em frente à monumental obra prima. Era chegado o momento glorioso de chamar a futura mamãe para exibir em triunfo o resultado do meu esforço. Não sem antes esconder os cinco parafusos, as oito porcas e o tubo de cola que sobraram da montagem (o tubo de cola, diga-se de passagem, eu só encontrei depois do berço pronto e até agora não imagino pra que servia).
A futura mamãe ainda se fez de durona, passou os olhos pelo berço em minuciosa revista, escorregou os dedos pela cabeceira, testou as odiosas grades em corrediças deslizantes, mas por fim se rendeu ao primor de um serviço bem feito.
- E então? – indaguei a ela para obter o reconhecimento formal da vitória.
- Excelente! Juro que pensei que você fosse desistir.
- Imagina... Vê se eu não iria conseguir montar um bercinho de bebê.
- É mesmo uma pena que vamos ter que desmontar para levá-lo pro nosso quarto. Já te falei que, enquanto ela for novinha, deve dormir perto da gente, não falei?
E foi aí que quase desmaiei, ao perceber que o berço americano com suas malditas grades em corrediças deslizantes não passava pela porta.

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